Créditos pagos na <em>Faianças</em>
Só a CDU tem uma proposta que resolve a morosidade destes processos, salientaram os sindicalistas que acompanharam o processo.
A proposta do PCP resolve a morosidade no pagamento dos créditos
anos de luta, os 296 trabalhadores da fábrica de barro branco, Faianças, em Setúbal, falida em 1990, receberam os créditos.
Fernando Deodato, da delegação de Setúbal do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Cerâmica, Cimentos, e Similares do Sul e dirigente sindical na Faianças, e José Tomás, coordenador da mesma delegação sindical, não tiveram dúvidas em salientar a proposta da CDU para que o Estado, nos casos de falência, adiante aos trabalhadores o montante que lhes é devido, que seria devolvido quando fosse decretada a liquidação e a graduação dos créditos: «É uma proposta que pode, de uma vez por todas, resolver o problema a tantos que passam anos à espera das indemnizações e dos salários em atraso», afirmou José Tomás que acompanhou este processo nos últimos três anos.
Ao todo, foram 14 anos de burocracias nos tribunais: «Os processos saltavam de tribunal para tribunal, da primeira instância para a Relação de Évora», revelou ainda José Tomás, lembrando haver ainda trabalhadores do sector dos produtos de cimento, na Moita, à espera de créditos: na Ytong e na Novobra.
Fernando Deodato salientou o trabalho da estrutura sindical e a determinação dos trabalhadores, que «provaram, na prática, como vale a pena lutar sem nunca perder a esperança».
Para ajudar outros que vivam situações semelhantes, os trabalhadores entregaram ao sindicato, não apenas a quotização em atraso, mas mais do que aquele valor.
Gestão ruinosa
Por sinal, a Faianças era gerida por alguém que, após estas provas de gestão danosa, «foi compensado pelo Governo PS de António Guterres e José Sócrates: o engenheiro Torres Campos, depois nomeado para a Expo ’98», lembrou com ironia, Fernando Deodato.
Inicialmente, a empresa dedicava-se à fabricação de louças. Depois, a administração pretendeu diversificar a produção e virou-se para o ramo dos mosaicos de pavimento, opção que «foi o início da derrocada final da empresa», recordou Fernando Deodato.
A empresa adquiriu então máquinas já obsoletas na altura, se comparadas com a concorrência: «Em Itália, já as fábricas de pavimento tinham efectuado uma reconversão tecnológica que permitiu reduzir os custos energéticos com a produção em cerca de 30 por cento, num sector em que este tipo de despesa tem um peso significativo no preço final», esclareceu.
A Faianças previa custos na reconversão de cerca de meio milhão de contos, mas esta teve um custo final de um milhão e duzentos mil, mais do dobro do investimento na compra de material obsoleto, suportado apenas pela unidade de faiança. Por isto, Fernando Deodato acusa Torres Campos de ter agravado a situação da empresa.
Por outro lado, «os trabalhadores colocados no pavimento não tinham qualquer experiência nesta área», recordou ainda.
Responsabilidades do Estado
Aquando de uma visita do então Presidente da República, Mário Soares, a Setúbal, nos anos oitenta, os trabalhadores efectuaram um corte de estrada e expuseram-lhe a situação em que estavam: «A acção valeu a pena porque o fundo de desemprego veio mais cedo», disse Fernando Deodato. Mas, o principal objectivo da luta, que era manter a laboração da Faianças e os postos de trabalho, não foi conseguido.
Durante a tentativa de viabilização, os trabalhadores tiveram, ao abrigo de um despacho, direito a 65 por cento dos salários, suportados pela Segurança Social que se atrasou neste pagamento. Os trabalhadores disponibilizaram-se a receber aquele adiantamento que seria reposto quando fossem pagos os créditos e as indemnizações, mas a Segurança Social recusou.
A esta responsabilidade há que somar o facto de, nos anos oitenta, a mesma Segurança Social ter financiado a empresa com 24 mil contos, disponibilizados em pouco mais de 60 horas e sem quaisquer garantias.
Negócios obscuros
Nos últimos anos de laboração, a última administração realizou negócios pouco claros que foram denunciados, na altura, pelo sindicato, lembrou José Tomás. Fernando Deodato relembrou as responsabilidades dos primeiros proprietários da empresa, a família Megre, além das do administrador, Torres Campos.
Na iminência do escândalo provocado pela gestão danosa, «havia que salvaguardar os verdadeiros responsáveis: puseram à frente da empresa um industrial francês a quem a banca ofereceu mais 200 mil contos com o propósito de manter a laboração durante algum tempo, para depois declarar a falência, não em nome dos verdadeiros responsáveis, mas em nome do desconhecido empresário», elucidou.
O administrador francês até efectuava os pagamentos aos trabalhadores em dinheiro, sem documentos, situação que levou o sindicato a avançar com uma queixa na Alta Autoridade Contra a Corrupção.
Só em Junho do ano passado é que veio a confirmação do tribunal, que graduou os créditos pondo os trabalhadores em primeiro lugar. O sindicato desenvolveu então uma enorme actividade para saber, na Caixa Geral de Depósitos, onde estava o dinheiro da massa falida, uma vez que a Segurança Social era detentora do valor da venda do património. A estrutura sindical teve ainda de recorrer ao Governo Civil de Setúbal, de forma a dar celeridade aos pagamentos.
Uma luta prolongada
Quando encerrou, em 1990, a Faianças tinha 546 trabalhadores. Na luta pelos créditos, durante 14 anos, mantiveram-se 305 processos, 296 dos quais acompanhados pela estrutura sindical.
Primeiro, os trabalhadores tentaram impedir o investimento no sector do pavimento. Depois, lutaram para que a parte não rentável – ainda o ramo do pavimento – encerrasse, para garantir os postos de trabalho e o financiamento necessário para a reconversão tecnológica em certos sectores da faiança, no intuito de enveredar pela produção de porcelana.
«A administração também não aceitou a alternativa, mas quando a fábrica encerrou, havia uma carteira de encomendas para os três anos seguintes», continuou Fernando Deodato.
A administração argumentou depois, para justificar a falência, que o sector de faiança não podia suportar o prejuízo das duas unidades.
Entretanto, um acordo entre credores – a banca e a Segurança Social – levou a uma tentativa de viabilização. Os trabalhadores até abdicaram de alguns direitos, aumentaram a produção e a sua qualidade, «mas a gerência gastou dinheiro com arranjos de pavimentos e pinturas superficiais de máquinas que necessitavam de arranjos», lembrou o dirigente sindical, salientado que a faiança produzida não tinha grande qualidade para se manter no mercado, pelo que era prioritária a conversão.
Perdas sem preço
Os dirigentes sindicais sabem bem o que passaram os trabalhadores, cinco dos quais não chegaram sequer a ver a compensação por terem, entretanto, falecido. Mas muitas foram as situações de ruptura social: «Se este dinheiro tivesse vindo apenas três meses mais cedo, uma trabalhadora não tinha sido obrigada a tirar um rim para fazer face à falta de dinheiro para o seu tratamento», lembrou Fernando. «Não fossem as ajudas familiares e muitos não se tinham aguentado», desabafou, salientando que o encerramento causou situações de fome e pobreza. Oriundos do campo, tiveram de dedicar-se ao cultivo de subsistência, «e muita falta lhes fez a indemnização para que pudessem investir nas colheitas», continuou. Salientou ainda que todos estes trabalhadores são de meia idade: «velhos demais para conseguir outro emprego e demasiado novos para se reformarem».
Fernando Deodato, da delegação de Setúbal do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Cerâmica, Cimentos, e Similares do Sul e dirigente sindical na Faianças, e José Tomás, coordenador da mesma delegação sindical, não tiveram dúvidas em salientar a proposta da CDU para que o Estado, nos casos de falência, adiante aos trabalhadores o montante que lhes é devido, que seria devolvido quando fosse decretada a liquidação e a graduação dos créditos: «É uma proposta que pode, de uma vez por todas, resolver o problema a tantos que passam anos à espera das indemnizações e dos salários em atraso», afirmou José Tomás que acompanhou este processo nos últimos três anos.
Ao todo, foram 14 anos de burocracias nos tribunais: «Os processos saltavam de tribunal para tribunal, da primeira instância para a Relação de Évora», revelou ainda José Tomás, lembrando haver ainda trabalhadores do sector dos produtos de cimento, na Moita, à espera de créditos: na Ytong e na Novobra.
Fernando Deodato salientou o trabalho da estrutura sindical e a determinação dos trabalhadores, que «provaram, na prática, como vale a pena lutar sem nunca perder a esperança».
Para ajudar outros que vivam situações semelhantes, os trabalhadores entregaram ao sindicato, não apenas a quotização em atraso, mas mais do que aquele valor.
Gestão ruinosa
Por sinal, a Faianças era gerida por alguém que, após estas provas de gestão danosa, «foi compensado pelo Governo PS de António Guterres e José Sócrates: o engenheiro Torres Campos, depois nomeado para a Expo ’98», lembrou com ironia, Fernando Deodato.
Inicialmente, a empresa dedicava-se à fabricação de louças. Depois, a administração pretendeu diversificar a produção e virou-se para o ramo dos mosaicos de pavimento, opção que «foi o início da derrocada final da empresa», recordou Fernando Deodato.
A empresa adquiriu então máquinas já obsoletas na altura, se comparadas com a concorrência: «Em Itália, já as fábricas de pavimento tinham efectuado uma reconversão tecnológica que permitiu reduzir os custos energéticos com a produção em cerca de 30 por cento, num sector em que este tipo de despesa tem um peso significativo no preço final», esclareceu.
A Faianças previa custos na reconversão de cerca de meio milhão de contos, mas esta teve um custo final de um milhão e duzentos mil, mais do dobro do investimento na compra de material obsoleto, suportado apenas pela unidade de faiança. Por isto, Fernando Deodato acusa Torres Campos de ter agravado a situação da empresa.
Por outro lado, «os trabalhadores colocados no pavimento não tinham qualquer experiência nesta área», recordou ainda.
Responsabilidades do Estado
Aquando de uma visita do então Presidente da República, Mário Soares, a Setúbal, nos anos oitenta, os trabalhadores efectuaram um corte de estrada e expuseram-lhe a situação em que estavam: «A acção valeu a pena porque o fundo de desemprego veio mais cedo», disse Fernando Deodato. Mas, o principal objectivo da luta, que era manter a laboração da Faianças e os postos de trabalho, não foi conseguido.
Durante a tentativa de viabilização, os trabalhadores tiveram, ao abrigo de um despacho, direito a 65 por cento dos salários, suportados pela Segurança Social que se atrasou neste pagamento. Os trabalhadores disponibilizaram-se a receber aquele adiantamento que seria reposto quando fossem pagos os créditos e as indemnizações, mas a Segurança Social recusou.
A esta responsabilidade há que somar o facto de, nos anos oitenta, a mesma Segurança Social ter financiado a empresa com 24 mil contos, disponibilizados em pouco mais de 60 horas e sem quaisquer garantias.
Negócios obscuros
Nos últimos anos de laboração, a última administração realizou negócios pouco claros que foram denunciados, na altura, pelo sindicato, lembrou José Tomás. Fernando Deodato relembrou as responsabilidades dos primeiros proprietários da empresa, a família Megre, além das do administrador, Torres Campos.
Na iminência do escândalo provocado pela gestão danosa, «havia que salvaguardar os verdadeiros responsáveis: puseram à frente da empresa um industrial francês a quem a banca ofereceu mais 200 mil contos com o propósito de manter a laboração durante algum tempo, para depois declarar a falência, não em nome dos verdadeiros responsáveis, mas em nome do desconhecido empresário», elucidou.
O administrador francês até efectuava os pagamentos aos trabalhadores em dinheiro, sem documentos, situação que levou o sindicato a avançar com uma queixa na Alta Autoridade Contra a Corrupção.
Só em Junho do ano passado é que veio a confirmação do tribunal, que graduou os créditos pondo os trabalhadores em primeiro lugar. O sindicato desenvolveu então uma enorme actividade para saber, na Caixa Geral de Depósitos, onde estava o dinheiro da massa falida, uma vez que a Segurança Social era detentora do valor da venda do património. A estrutura sindical teve ainda de recorrer ao Governo Civil de Setúbal, de forma a dar celeridade aos pagamentos.
Uma luta prolongada
Quando encerrou, em 1990, a Faianças tinha 546 trabalhadores. Na luta pelos créditos, durante 14 anos, mantiveram-se 305 processos, 296 dos quais acompanhados pela estrutura sindical.
Primeiro, os trabalhadores tentaram impedir o investimento no sector do pavimento. Depois, lutaram para que a parte não rentável – ainda o ramo do pavimento – encerrasse, para garantir os postos de trabalho e o financiamento necessário para a reconversão tecnológica em certos sectores da faiança, no intuito de enveredar pela produção de porcelana.
«A administração também não aceitou a alternativa, mas quando a fábrica encerrou, havia uma carteira de encomendas para os três anos seguintes», continuou Fernando Deodato.
A administração argumentou depois, para justificar a falência, que o sector de faiança não podia suportar o prejuízo das duas unidades.
Entretanto, um acordo entre credores – a banca e a Segurança Social – levou a uma tentativa de viabilização. Os trabalhadores até abdicaram de alguns direitos, aumentaram a produção e a sua qualidade, «mas a gerência gastou dinheiro com arranjos de pavimentos e pinturas superficiais de máquinas que necessitavam de arranjos», lembrou o dirigente sindical, salientado que a faiança produzida não tinha grande qualidade para se manter no mercado, pelo que era prioritária a conversão.
Perdas sem preço
Os dirigentes sindicais sabem bem o que passaram os trabalhadores, cinco dos quais não chegaram sequer a ver a compensação por terem, entretanto, falecido. Mas muitas foram as situações de ruptura social: «Se este dinheiro tivesse vindo apenas três meses mais cedo, uma trabalhadora não tinha sido obrigada a tirar um rim para fazer face à falta de dinheiro para o seu tratamento», lembrou Fernando. «Não fossem as ajudas familiares e muitos não se tinham aguentado», desabafou, salientando que o encerramento causou situações de fome e pobreza. Oriundos do campo, tiveram de dedicar-se ao cultivo de subsistência, «e muita falta lhes fez a indemnização para que pudessem investir nas colheitas», continuou. Salientou ainda que todos estes trabalhadores são de meia idade: «velhos demais para conseguir outro emprego e demasiado novos para se reformarem».